quinta-feira, 6 de abril de 2017

Poluição marinha: 50 anos de um embate sem fim

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Comunidade internacional tem se dedicado à construção de uma ordem jurídica coerente, que permita a prevenção de danos ambientais causados por poluição marinha.
Meio ambiente marinho deve ser protegido de maneira integral.
Meio ambiente marinho deve ser protegido de maneira integral. (ESRI)
Por André de Paiva Toledo*

A poluição marinha tem sido um dos grandes desafios internacionais. O aumento do transporte de hidrocarbonetos, nos anos de 1950, causou proporcionalmente numerosos acidentes causadores de poluição marinha. Por conta justamente dos acidentes com navios petroleiros, criou-se uma conjuntura de tomada de consciência da gravidade do problema pela opinião pública mundial. Como consequência, no âmbito jurídico, diversos tratados internacionais passaram a ser elaborados de modo a dar ao Direito do Mar um importante viés ambientalista.

Em 1958, quando da Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ocorrida em Genebra, a necessidade de prevenção da poluição não era vista com urgência. Contudo, na convenção sobre o alto mar, instituída naquela conferência, encontram-se disposições expressas sobre a poluição marinha, fundadas na preocupação com a poluição causada por petróleo e substâncias radioativas.

O acidente com o navio petroleiro Torrey Canyon, no alto mar próximo da costa britânica, em 1967, caracterizado pelo derramamento de grande quantidade de petróleo, causou uma importante maré negra de alto potencial poluente. Diante dos impasses jurídicos decorrentes deste acidente, os Estados constataram sua completa inadequação normativa para prevenir e enfrentar eventos semelhantes.

As Nações Unidas reagiram imediatamente. Em 1968, sua Assembleia Geral adotou a Resolução 2.467 (XXIII), que abordou pela primeira vez a questão das poluições marinhas acidentais. Esta resolução afirma que a Assembleia Geral incentiva a adoção pelos Estados de medidas apropriadas para prevenir os riscos de poluição, especialmente em zonas marítimas fora dos limites de jurisdição nacional.

No ano seguinte, os Estados do Mar do Norte, área onde havia o maior tráfego marítimo do mundo, assinaram, em Bonn, o Acordo sobre cooperação em matéria de luta contra a poluição das águas do Mar do Norte por hidrocarbonetos e outras substâncias perigosas. O propósito deste acordo regional é dotar seus membros de capacidade de reação individual e coletiva em face da poluição marinha. O ponto chave do tratado internacional é possibilitar um Estado parte, que não disponha de recursos suficientes, a pedir ajuda aos demais Estados partes para enfrentar uma situação envolvendo poluição.

No que se refere especificamente ao combate à poluição em zona fora dos limites de jurisdição nacional, a intervenção em alto mar por parte do Estado costeiro em navio acidentado de outra bandeira é normalmente vista como violação do Direito do Mar. Entretanto, diante dos prejuízos causados pela poluição marinha, há tratados internacionais que preveem a possibilidade desse tipo de intervenção, caso exista faticamente grave ameaça de dano por poluição. Essa exceção à regra do exclusivismo do Estado da bandeira em alto mar é garantida ao Estado ameaçado pela Convenção sobre intervenção em alto mar em caso de acidente que cause ou possa causar uma poluição por hidrocarbonetos, concluída em 1969, em Bruxelas, sob a égide da Organização Marítima Consultiva Intergovernamental.

Outro importante tratado internacional sobre poluição por petróleo é a Convenção sobre preparação, luta e cooperação em matéria de poluições por hidrocarbonetos, assinada em Londres, em 1990, que constitui atualmente o instrumento jurídico mais eficiente no combate aos efeitos prejudiciais de um acidente com navio petroleiro.

Além do petróleo, os rejeitos industriais têm também estado presentes em diversas catástrofes ambientais marítimas. Com o intuito de restringir os derramamentos no mar de rejeitos industriais, alguns Estados europeus assinaram, em Oslo, em 1972, a Convenção sobre a prevenção da poluição marinha por operações de imersão efetuadas por navios e aeronaves. Essa restrição foi reforçada, em dezembro do mesmo ano, com o surgimento da Convenção sobre a prevenção da poluição dos mares resultante da imersão de rejeitos, assinada em Londres, Cidade do México, Moscou e Washington. Esta convenção universaliza os princípios daquele instrumento regional: há identidade na definição de rejeitos prejudiciais, aplicação sobre imersões de rejeitos não relacionados com a atividade econômica do navio, incidência em todas as zonas marinhas, salvo as águas interiores etc.

As poluições telúricas, isto é, poluições de origem terrestre, representam atualmente a causa primeira de danos ambientais marinhos. O despejo contínuo de águas sem tratamento nos cursos d’água que deságuam nos mares é causa de prejuízos significativos sofridos pelos Estados. O primeiro tratado internacional sobre poluições telúricas foi a Convenção sobre prevenção da poluição marinha de origem telúrica, assinada em Paris, em 1974. Trata-se de um instrumento jurídico regional relativo a qualquer poluição de origem terrestre, incluindo aí a poluição atmosférica que repercuta no mar.

Em 1992, a Convenção para a proteção do meio marinho do Atlântico Nordeste, conhecida como OSPAR, reuniu em um só instrumento as ordens jurídicas de Oslo (1972) e Paris (1974), instituindo uma única comissão, a OSPARCOM. Esta convenção propõe normas mais rigorosas com o intuito de realizar o princípio da prevenção. Os Estados partes devem, para tanto, adotar as medidas de prevenção, aplicando sistematicamente, no âmbito interno, a abordagem da precaução e do poluidor-pagador, nos termos da Declaração do Rio de Janeiro, publicada naquele mesmo ano.

A fim de realizar o princípio da prevenção do dano ambiental, o Direito Internacional do Meio Ambiente tem, de fato, reforçado as obrigações dos Estados de adotar todas as medidas de segurança a bordo dos navios de modo a impedir a ocorrência de acidentes. Neste sentido, assinou-se em Londres, em 1973, a Convenção para a prevenção da poluição por navios, conhecida como MARPOL. Trata-se de uma iniciativa para impor aos Estados o reforço dos controles dos navios que arvoram seu pavilhão, proibindo qualquer derramamento voluntário de substâncias nocivas no mar. Antes mesmo de sua entrada em vigor, a MARPOL foi retificada pelas partes por meio de um protocolo adicional, que modificou significativamente a regulamentação internacional de construção de navios de granel líquido.

A Convenção sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, em 1982, considerada o mais importante tratado internacional sobre o mar, é herdeira direta dos princípios da Declaração de Estocolmo de 1972. Realmente, a convenção de Montego Bay adota uma abordagem jurídica marítima global, segundo a qual o meio ambiente marinho deve ser protegido de maneira integral. De acordo com esse importantíssimo instrumento jurídico internacional, os Estados devem proteger e preservar o meio ambiente marinho por meio de medidas de redução da poluição. Para além do mar territorial – faixa de 12 milhas marinhas da costa –, é a jurisdição do Estado do pavilhão que se aplica sobre a embarcação, o que lhe obriga a tomar as medidas necessárias para exigir a cooperação com o Estado costeiro em relação a fato ocorrido em sua zona econômica exclusiva – faixa que se estende por 200 milhas marinhas da costa. Além disso, a convenção de Montego Bay também garante ao Estado do porto competências particulares relativas à investigação de ato ilícito que cause poluição.

Nos últimos 50 anos, desde as primeiras marés negras, a comunidade internacional tem se dedicado à construção de uma ordem jurídica ambiental coerente, que permita efetivamente a prevenção de danos ambientais causados por poluição marinha. Se alguns dos desafios do passado encontram-se hoje em relativo controle, há outros graves problemas que exigem um imediato tratamento jurídico internacional. Atualmente, deve-se concentrar esforços no combate à poluição marinha de origem telúrica, especialmente aquela causada por plástico. Eis a pauta de negociações internacionais neste início de terceiro milênio. 

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* André de Paiva Toledo é doutor em Direito pela Université Panthéon-Assas Paris II. Bacharel e mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do PPGD da Dom Helder Escola de Direito. Líder do Grupo de Pesquisa em Direito Internacional dos Recursos Naturais (DIRNAT) e do Grupo de Iniciação Científica em Direito Internacional do Meio Ambiente (GIDIMA).

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