quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O bispo casado, ao lado da esposa (centro) e com seus familiares na comemoração dos 90 anos.

 Homenagem a Dom Frei Caetano ex-bispo de Ilhéus pelo seu nonagésimo aniversário.
 

Nascido em Altamira-Ba, aos 26/10/1916, casado com a profª. Maria Villas Boas, reside em Governador Valadares, assumindo o seu nome civil de Antonio Lima dos Santos. A sociedade Valadarense prestou-lhe homenagem com a presença de familiares, amigos e convidados especiais provenientes do Maranhão, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, do ex-vigário da catedral de Ilhéus Jorge Saraiva Castro e do capelão militar de Salvador Frei Jorge Vilares. O atual bispo de Ilhéus D. Mauro Montagnoli presidiu a solene concelebração eucarística no Instituto N.Sra. da Conceição ao som do coral polifônico de Teófilo Otoni. No discurso proferido por Almir Simões, professor de filosofia e ética e assessor especial da Fundac – Ba, o relato dos seus empreendimentos e detalhes da sua biografia. Na oportunidade o prof. Lima presenteou os convidados com o seu mais recente livro “O Santo Sudário – Alimento para a Piedade e Desafio à Ciência”. 

 


O bispo casado, ao lado da esposa (centro) e com seus familiares na comemoração dos 90 anos.

.
Discurso proferido por Almir Dias Simões, um dos últimos sacerdotes ordenado por ele em 1967, na diocese de Ilhéus.

 É muito gratificante chegar aos 90 anos assim: cabelos brancos, rodeado de amigos, saudável, consciência tranqüila de quem passou todos os dias, o tempo todo, uma vida inteira vivendo a fraternidade e fazendo bem ao próximo. Sereno, apesar das asperezas dos caminhos. Compreensivo como se não tivesse experienciado incompreensões. Conciliador, tolerante, aberto sempre ao diálogo como se não tivesse enfrentado conflitos e adversidades inerentes à própria existência. São marcas predominantes em sua vida: a integridade de crenças e valores, a fidelidade a Deus e não às estruturas humanas, o poder como serviço e não como status, a autenticidade e a dignidade. Este, meus caros, é o perfil do nosso amigo, ilustre, homenageado.
Prof. Lima, noventa anos é uma viagem que, olhando pelo retrovisor de 2006 a 1916, tem muito caminho andado. Poderia se fazer um filme, um romance ou uma novela com muitos capítulos de uma mesma história. Li o seu livro “Filosofando com o Mestre”, meditei sobre a dinâmica do tempo, recordei o deus Crónos e o pensamento de Ovídio: tempus edax rerum” (o tempo esse devorador de tudo), mas, permita-me deixar à parte as suas sábias reflexões e ressaltar a essência imutável no seu íntimo, o sonho de um menino que permanece o mesmo, vivo e operante em um jovem de 90 anos. Isto o tempo não devorou...
 O que é o tempo para a eternidade de Deus? Mudaram os acidentes, os vocativos, os lugares, os estilos, mas a sua vida foi sempre marcada pela identidade de propósitos, pela busca da excelência e por uma missão continuada... Qual o segredo da sua longevidade? Em seu caso o crónos não conta, o que vale é apsiquê.  Certamente o ioga ajuda muito, mas existe uma dimensão muito mais profunda: Feliz o homem que ouve a palavra de Deus e a põe em prática Lc 11:28.  Os seus 90 anos são uma bênção de Deus: Se andares nos meus caminhos Eu te darei vida longa. Ia. Reis  3:14

 Recordo carinhosamente alguns dados desta sua caminhada com ricas imagens que certamente perpassam a sua memória. Uma sinopse em 04 etapas bem distintas como se fossem as 04 estações do ano. E em cada estação um nome diferente, como Simão que foi transformado em Pedro/Kéfas por Jesus em função da missão que deveria assumir.

Vamos considerar 1916 como se fosse o inicio do inverno.  Foi quando tudo começou. Seu nome é Antonio.  A fase do aconchego do lar, o amor da mãe Josefa e do pai Sr. José Cristino, a infância na pacata vila de Altamira, o testemunho e vivência cristã dos saudosos pais, a adolescência, o primeiro aluno do Seminário Seráfico de Esplanada. Como uma plantinha que vai crescendo à procura do sol que a atrai, mas que ainda está obscurecido. O importante nessa fase foi a vida familiar e os primeiros passos em direção aos estudos e a espiritualidade. O inverno vai se aquecendo e surge o noviço, a primeira viagem para Guaramiranga – Ceará, o estudante de filosofia e teologia, a volta para o Convento da Piedade em Salvador...

Chegamos rápido a 1940. É o inicio de um verão muito forte. Acontece a sua ordenação sacerdotal. Seu nome Frei Caetano Maria de Altamira, uma homenagem à mãe de Deus e à sua terra natal.  O dinamismo do jovem sacerdote se traduz em muitas peregrinações pelo recôncavo bahiano, um itinerante pelo interior da Bahia e Sergipe, modernizando os métodos nas chamadas “santas missões”, introduzindo o teatro e o famoso diálogo na arte de educar.  As necessidades da província franciscana e sua avidez pelo saber levaram-no a Roma, à Universidade Gregoriana, onde aprovado cum laude se tornou doutor em filosofia.  Regressando a Bahia, participou dos alicerces da criação da Universidade Católica do Salvador sendo um dos seus primeiros professores. Entretanto o filósofo, o assistente eclesiástico da Ação Católica, o correspondente assíduo do jornal A TARDE, o diretor da Revista Franciscana, o pregador de retiros espirituais, o frade poliglota, tradutor e escritor, a eleição para assistente da Custódia, nada disso arrefeceu o ânimo do missionário que sabia se comunicar muito bem com os mais diferentes tipos de pessoas. Quem não conhecia frei Caetano em Alagoinhas?  O’ lá!  Como vai você? Desde os caminhoneiros vezeiros em lhe dar carona aos pobres moradores da periferia. Batina às vezes empoeirada, barba ruiva umedecida pelo suor, sempre destemido para as lides pastorais, foram nessas circunstâncias que o Sumo Pontífice Pio XII o escolhera para o múnus episcopal em Ilhéus.

1958 a 1969 – Começa a primavera. Um novo nome, uma nova missão. Dom Frei Caetano – bispo de Ilhéus.  Onze anos desafiadores. A diocese, uma vasta extensão territorial atualmente desmembrada em quatro: – Ilhéus, Itabuna, Eunápolis e Caravelas.  Um clero escasso, heterogêneo e na sua maioria idoso. O ouro do cacau concentrado nas mãos de poucos e a grande maioria da população em situação de miséria. A encíclica Mater et Magistra – evolução da doutrina social da Igreja - encontrava oposição ferrenha da pseudo-revolução de 1964. O concilio ecumênico Vat. II – o sonho do papa João XXIII, acenava com reformas e representava uma nova aurora para a igreja, mas encontrava reação de uma ala conservadora.  Esse o contexto e as circunstâncias do seu episcopado. O jovem bispo não quis o trono preferiu marcar presença e dialogar com todos os segmentos da sociedade. Empenhou-se pelas vocações sacerdotais ampliando o seminário menor e trazendo padres do exterior, um deles hoje é o atual bispo de Jequié. Dava assistência às paróquias mais longínquas, viajando de carro ou de canoa, montado à cavalo ou numa lambreta. ( Lembra-se do braço enfaixado, da queda da lambreta ? ). A evangelização passava pela promoção social, mas D. Caetano não deixava de tirar um pouquinho dos ricos para dar aos pobres. E entre uma sessão e outra do Concilio em Roma estava sempre de malas arrumadas para fazer pregações na Alemanha  e captar recursos para a diocese. Desta forma nasceu o Instituto São José em Itabuna, a criação do ginásio Diocesano D. Eduardo, a rádio Bahiana onde diariamente enviava a sua mensagem no programa “ a voz do pastor ”, a conclusão da catedral cujas obras há anos estavam paralisadas, a construção da residência episcopal, a aquisição de veículos para algumas paróquias. A Faculdade de Direito de Ilhéus, inicialmente chamada de católica, só foi possível ser criada com o seu aval tendo a diocese como mantenedora. As autoridades civis precisaram de sua liderança para reivindicar do presidente Kubitschek em Brasília a construção do porto da região cacaueira.  O seu trabalho começou a dar frutos com a ordenação de alguns padres jovens que iniciaram a reforma pastoral e litúrgica, dois aqui presentes, sendo a diocese de Ilhéus a pioneira no estado da Bahia. O ecumenismo estava no seu sangue. Na sua simplicidade franciscana, conquistava todos: leigos, associações religiosas, protestantes, espíritas maçons, fazendeiros, políticos, trabalhadores, a gente humilde das comunidades rurais. O reconhecimento ao seu talento e à sua cultura continua vivo em Ilhéus, mediante cadeira cativa, como membro da Academia de Letras.

 A quarta estação – o outono – O cenário Governador Valadares. Nessa fase as árvores se despojam das folhas velhas para se revestirem de um verde novo, os frutos amadurecem e ocorrem as colheitas. Etapa marcante para a sua vida que começa no início da década de 70 até os dias atuais. Uma decisão inédita e corajosa. Não temas D. Caetano em se transformar em Prof. Lima e receber Maria Villas Boas como esposa, pois esta é a vontade de Deus. Deus escolheu o que é considerado loucura no mundo para confundir os sábios e o que é considerado fraqueza para confundir os fortes, I Cor 1,27. A presença, o carinho, a dedicação, o amor desta sua companheira é mais um segredo da sua longevidade. Tão afinados um ao outro que é impossível pensar no Prof. Lima sem se lembrar de Maria.  Impossível pensar em Maria sem se lembrar do Prof. Lima.

Por isso, a eucaristia que celebramos tem um sentido todo especial. Comemoramos o aniversário de um homem de fé, de oração, de esperança. Fé que o levou a peregrinar diversas vezes pela Terra Santa. Fé que no pensamento de Santo Agostinho é descobrir Deus no íntimo de nós mesmos, daí a célebre máxima:Ama e faze o que queres. Comemoramos o aniversário de um homem desapegado, discípulo do povero fratelo São Francisco que levou as exigências do amor até as últimas conseqüências. Dentro deste contexto, considero dois fatos relevantes para a sua maior abertura e compreensão dos problemas humanos: A amizade com Frei Pio, seu irmão de Ordem, declarado santo pela igreja e a sua participação no Concilio Ecumênico Vaticano II, assumindo em sua vida pessoal o que ensina o documento Gaudium et Spes: a consciência do homem é um sacrário vivo só Deus penetra (G.S.16).

Quando vocês chegaram a Governador Valadares, a FADIVALE – Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce era recém-nascida. Aí o Prof. Lima armou a sua tenda e durante 25 anos exerceu o magistério. Imagino quantos juristas por esse Brasil a fora receberam os seus ensinamentos...  Imagino o bispo casado no seu novo pastoreio, resgatando a imagem da igreja primitiva... testemunhando para os homens do direito que a letra mata e o espírito vivifica... solicitando a não dogmatização das leis positivas... ensinando que os direitos humanos são inalienáveis... mostrando que a pessoa humana está acima das estruturas e das instituições.
Aqui, às margens do Rio Doce e contemplando o Ibituruna da varanda de sua casa, como outrora contemplara o mar de Ilhéus e as torres da Catedral, o escritor retoma o fôlego, são vários livros que nascem. Recordo-me de alguns: Sugestões e Apelos para uma Vida em Plenitude - Em busca da Felicidade através do Ioga. O Sucesso através do Desenvolvimento Integral da Personalidade e Filosofando com o Mestre. Todos, verdadeiros mananciais de sabedoria, complementados pelo sabor de sua coluna de auto-ajuda, todas as terças-feiras, no Diário do Rio Doce.
O seu dinamismo, meu caro Prof. Lima, digno cidadão valadarense, ultrapassa o limite do pensamento e manifesta-se em ações: a Fundação Marian, declarada de utilidade pública. A qualidade do Curso de Inglês. As aulas voluntárias de Ética e Relações Humanas para as educadoras do lar. A academia de Ioga.  Tudo isto compartilhado do zelo e capacidade de abnegação de Maria Villas Boas.

 Prof. Lima, Parabéns!  Louvado seja Deus pelo seu nonagésimo aniversário. Louvado seja Deus pelas sementes plantadas, pelos frutos colhidos, pelos talentos multiplicados e pelos testemunhos de vida. Louvado seja Deus pela biografia edificante que construiu.
E pelo tempo que ainda lhe resta, pela intercessão e pela sua devoção a N. Sra. de Fátima, possamos em breve celebrar o seu centenário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário